sábado, 6 de junho de 2009

JOÃO CABRAL

Dez anos sem João Cabral.Há dez anos atrás, morria no Rio de Janeiro, aos setenta e nove anos, o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto. Sua vida é conhecida: nascido em 1920, no Recife, publicou seu primeiro livro, Pedra do sono, em 1942, e o último, Andando Sevilha, em 1989. Foi diplomata, tipógrafo amador, e amou a Andaluzia e Pernambuco - lugares que freqüentemente comparou e celebrou em seus poemas.

O poeta foi realmente um divisor de águas em nossa poesia. Com uma dicção límpida e às vezes seca, preferindo os chamados 'metros menores' ao onipresente decassílabo, e utilizando, em vez da rima dita 'rica' - as preferidas por Camões e toda a tradição clássica da língua portuguesa -, a rima 'pobre' dos cancioneiros medievais, João Cabral defendeu e praticou uma poesia magra, objetiva e 'antilírica', modelo de todas as vanguardas que se lhe seguiram: a poesia concreta, a poesia-práxis e a poesia visual, por exemplo.

Seu conhecido desprezo pela 'musicalidade'; sua ênfase, pois, no caráter visual, concreto e palpável dos versos e do assunto dos versos; sua posição estética, em suma, particular e quase idiossincrática teve um efeito devastador na ulterior poesia brasileira, porquanto a aclamação geral em torno da sua obra - coisa muito justa, diga-se de passagem - intimidou fortemente o cultivo e a apreciação de uma poesia mais 'delicada', 'subjetiva' e 'transcendente' no Brasil. Isto, pelo menos, até o início dos anos noventa, quando o poeta Bruno Tolentino, de volta de um exílio europeu de quase três décadas, publicou o instantaneamente celebrado As horas de Katharina, um autêntico monumento ao 'lirismo' então proscrito, sem explicação razoável, pela grande imprensa e pelas universidades.

Transcorrida uma década de seu falecimento, qual seria, pois, o legado de João Cabral? E o que mudou, neste ínterim, na cena poética brasileira?

Ora, o legado cabralino, depurando o que se disse acima, seria uma insistência, em si mesma benéfica, na exatidão: exatidão de propósitos, de critérios e de técnicas em poesia. O problema, porém, foi precisamente a generalização das posições de João Cabral, e sua irrestrita (e irrefletida) aceitação nos domínios da escrita, leitura e crítica de poesia: guiados pelos parâmetros do grande pernambucano, muitos poetas e críticos pós-cabralinos não fizeram senão macaqueá-los, repetindo uma ladainha estéril e absolutamente dispensável em defesa de uma poesia que já não era magra, mas raquítica.

Quanto à cena poética brasileira, o prestígio internacional da poesia de Tolentino reabriu espaço para uma poesia mais filosófica e menos social, mais lírica e menos seca - mais clássica, em suma, e menos comprometida com a rigidez das vanguardas. A coexistência destes dois tipos, porém, ou tendências principais, está longe de ser pacífica, mas a poesia brasileira, além de já se ter recuperado da perda de Cabral, está hoje mais rica e diversificada que há dez anos atrás.

Finalmente, a despeito de suas posições estéticas e filosóficas, o homem João Cabral de Melo Neto, agnóstico ou ateu que tenha sido a maior parte da vida, mandou chamar um padre quando, já doente, sentiu que era a sua hora. Morreu rezando, depois de receber a extrema-unção, e foi velado no Salão dos Poetas Românticos da Academia Brasileira de Letras. Ironia trágica ou não, o fato é que, na hora da verdade, o materialista apelou à transcendência. E, coroamento desta ironia, o anti-romântico recebeu honras fúnebres em salão dedicado aos poetas românticos, juntando-se, então, ao menos em espírito, a Castro Alves e Gonçalves Dias.

Nenhum comentário: